domingo, 29 de novembro de 2009

O mérito e o monstro


"Pra dilatarmos a alma
Temos que nos desfazer

Pra nos tornarmos imortais

A gente tem que aprender a morrer

Com tudo aquilo que fomos

E tudo aquilo que somos nós"

O Teatro Mágico

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Velho Tema I


Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Vicente de Carvalho

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

domingo, 15 de novembro de 2009

Strauss

" (...) Nunca tive, e ainda não tenho, a percepção do sentimento da minha identidade pessoal. Apareço perante mim mesmo como um lugar onde há coisas que acontecem, mas não há o 'Eu', não há o 'mim'.
Cada um de nós é uma espécie de encruzilhada onde acontecem coisas. As encruzilhadas são puramente passivas; há algo que acontece nesse lugar.
Outras coisas igualmente válidas acontecem noutros pontos.
Não há opção: é uma questão de probabilidades."

Claude Lévi-Strauss (1908-2009)

sábado, 14 de novembro de 2009

Das vantagens de ser bobo

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Clarice Lispector


"A boba"- Anita Malfatti

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

ao Agora que chega e parte

"Porque a vida é o coletivo das horas que são pro dia." O Teatro Mágico


o Agora vai-se. torna-se passado.
vai-se outra vez.
e outra.
Passado é um Agora que já não se muda, nem se respira...
e quanto mais distantes de nós, aos poucos, leva-nos
o aroma,
a vivacidade das cores,
o sabor,
as vozes,
os sons,
as formas
(...)

talvez vá também a luz, deixando escuridão e vazio no espaço daqueles momentos.
mas existem aqueles, dos quais,
embora não tenhamos de volta as mesmas sensações,
vemos tão nitidamente diante dos nossos olhos... fechados.

por mais forte o desejo de viver aquele minuto novamente,
ele não retorna.

em seu lugar, despetala-se a saudade pelo caminho.
estes sessenta segundos passam por mim.
viva-se, pois, o Agora!
pode ser que muitos dos próximos minutos passem
e simplesmente vão-se para sempre,

porém,
outros tantos me esperam tão intensos e cheios de emoção,
que farão com que,
de cada segundo revivido,
ressurjam com eles muitas lágrimas e sorrisos.
porque o Agora é Futuro.
chega Agora.
é Agora.
(...)

S.C.P.S.