segunda-feira, 4 de julho de 2011

Maratona



    Queria simplesmente poder não pensar muito sobre o significado da vida, porém, às vezes a mente força a isso, mesmo (ou principalmente) quando já estava prestes a dormir.
    A vida: um sopro, uma passagem, uma viagem de trem, um livro com páginas em branco... Será mesmo tão fácil aceitar essas metáforas? Será que elas nos satisfazem a ponto de nos tranquilizar sobre o futuro? Não a mim.
   Procuro, então, fazer minha própria metáfora sobre a vida, por vários momentos, e não consigo. Talvez possa aceitá-la como uma maratona ao inverso, já que queremos ser sempre os últimos a chegar.
   Ponto de partida: estamos sadios, fortes, cheios de energia e nem temos a noção do quanto virá a ser percorrido, muito menos das dificuldades durante o percurso. Todos nos cercam, entusiasmados e cheios de expectativas sobre nossas vitórias.
   Porém, olhamos para os lados e não enxergamos nosso grande concorrente: o tempo. Ao longo do percurso, descobrimos que será impossível derrotá-lo, damos cada passo com um desejo enorme de que ele passe por nós bem devagar. Às vezes, nos esquecemos do quanto ele é veloz e, quando levamos os  piores tombos, queremos que cada segundo passe ainda mais depressa para que possamos nos reerguer e continuar a corrida. 
  Vamos nos aproximando do meio da corrida e começam as dores, a angústia de vencer os obstáculos, cometemos erros de percurso e muitos já deixaram de nos acompanhar. Outros apenas acompanham para esperar por algum tropeço. Outros, ainda, simplesmente surgem para nos dar apoio e depois se vão.
  Alguns de nossos torcedores, aqueles que mais acreditam em nós, nos acompanham fielmente desde o ponto de partida, a todo instante, e são os primeiros a nos motivar a seguir em frente.
  Aproxima-se o final da corrida e chega o cansaço. Aqueles que nos acompanharam desde o início e seguiram cada passo que demos, já se foram, pois também tiveram suas maratonas completadas. Eles deixam em nós a vontade de vencer e deixá-los orgulhosos. Alguns chegam durante o percurso e semeiam novamente em nós o ânimo para seguir em frente. Nossos passos se tornam mais lentos e já não temos as mesmas expectativas e o entusiasmo de antes, mas, temos a certeza de que chegaremos honrosos ao final do percurso, por nossa coragem, nossa ousadia e por todos aqueles que estiveram ao longo do caminho torcendo muito por nós.
  O que virá depois? É algo que só saberemos na linha de chegada. O meu grande sonho é que todos, mesmo aqueles que tenham ido embora logo após o ponto de partida, estejam de braços abertos, muito felizes, esperando por nós.

S.C.P.S.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ode de Ricardo Reis

Segue o teu destino, 
Rega as tuas plantas, 
Ama as tuas rosas. 
O resto é a sombra 
De árvores alheias.

A realidade 
Sempre é mais ou menos 
Do que nós queremos. 
Só nós somos sempre 
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só. 
Grande e nobre é sempre 
Viver simplesmente. 
Deixa a dor nas aras 
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida. 
Nunca a interrogues. 
Ela nada pode 
Dizer-te. A resposta 
Está além dos deuses.

Mas serenamente 
Imita o Olimpo 
No teu coração. 
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Fernando Pessoa

terça-feira, 14 de junho de 2011

apenas uma reflexão.

  Existem muitos outros universos dentro do único que acreditamos veementemente existir. Podemos dizer, então, que, englobando todos os universos, o que existe é um "multiverso". 
 Dentro de cada universo maior, está o mundo, e, dentro do mundo, pequenos mundos subdivididos em outros tantos universos, únicos, alguns explorados com facilidade e outros que apenas todos julgam conhecer. Para cada universo menor (porém, de dimensão infinita), os outros que existem, apesar de serem os mesmos, são diferentes. 
  A vida, então, é um verdadeiro encontro e desencontro de universos.
  A dificuldade em tudo isso é atingir os universos, que, ainda que tão próximos, são inatingíveis.
  Quem souber, que ensine como.


S.C.P.S.

domingo, 5 de junho de 2011

a nós, seres limitados

  O caos sempre se dispõe fielmente a trazer respostas passadas, iluminar o trajeto e tornar o trecho mais à frente visível, por várias fases, como em uma espiral. Uma visão muito clara, porém, triste, que não vai além dos limites que tanto se busca enxergar e que traz conclusões confusas a respeito do sentido de todas as coisas, além da incerteza de até onde o futuro atenderá nossas expectativas. 
   Há um ponto onde sonhos e limites se encontram.
  Existem limites que percorrerão todo o trajeto conosco para serem atravessados uma única vez. Saber que eles existem e que nunca conseguiremos definir como e onde o encontraremos, e, principalmente, a certeza de que um dia pisaremos sua linha, traçada tortuosamente por nós mesmos ao longo do caminho, é o que nos deixa com a sensação de andarmos o tempo todo contornando a beira do abismo, tentando manter o equilíbrio.


S.C.P.S.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Virginiana

  É bem provável que você faça uma imagem de mulher delicada, frágil e virginal dessa mulher. Bom, não é bem assim. Na realidade, não é nada assim. As virginianas fazem coisas que nós nunca esperaríamos que elas fizessem. Não é que elas sejam imprevisiveis. Elas agem naturalmente, você é que enxerga errado.
  É realmente de ficar de queixo caído com a capacidade das virginianas de ser absolutamente o oposto do que a sua aparência indica. Ela é capaz de enfrentar sozinha um mundo hostil, desbravar o último pedaço virgem da amazonia e procurar pela última espécie de arara azul só para provar que elas ainda existem. Elas parecem porcelana, mas a espinha é de titânio.
  Eis o seguinte. A mulher de virgem tem uma visão clássica do amor. E ela é tão pura quanto as águas que nascem nos alpes suíços. Portanto se os olhos dela enxergarem em você imperfeições que batalham com um amor sem falhas que ela acredita ter conhecido ontem, ela não vai hesitar em romper laços antigos. E quando a virginiana termina um relacionamento, o que é fatalmente doloroso, não vê porque amenizar seu corte cirúrgico com anestésicos. Dor dói, não importa o quanto. E o seu conceito de relacionamento é mais coerente e irrefutável do que qualquer documento legal. Ela sabe ser mortalmente prática e divinamente romântica, ao mesmo tempo.
  Quando marcar um encontro com a sua amada virginiana, tome o cuidado de não se atrasar. Elas são as discipulas da organização, eficiência e pontualidade. Não se atrase a menos que queira estragar as coisas. Elas não vão fazer estardalhaço e muito barulho. Mas as virginianas sabem ser beeeeem desagradáveis. Dou a solução: colha algo da natureza para presentea-la, admita o erro e não discuta mais. Você não pode vence-la. Espere. Espere. Espere. Pronto, ela está ótima de novo e nem importa quem venceu.
  Treine em casa algumas palavras antes de lidar com virginianas que prezam por uma boa gramática. Não seje, nem menas e nada pra mim dizer. É fundamental. Esteja bem aprensentado, cabelo e barba no lugar, todo trabalhado na impecabilidade. O senso dela de limpeza e organização transita em todos os lugares, inclusive em você.
  Não a atormente apertando-a por ai, não fique de beijos demais, não faça espetáculos. Com a virginiana é devagar, graciosamente e com charme. Uma vez que você a tenha, elas serão fiéis assim como são leais a sua idéia de amor e relacionamento. Se ouvir de alguma virginiana que ela traiu alguém, é muito provável que tenha durado muito pouco e aconteceu apenas para ela provar algo para si mesma. Se elas cometem deslizes, sabem enconbri-lo com maestria.
  Mas apesar da meticulosidade aborrecida, da chatisse dos dias de chatisse e de seu poder de criticar sem medo, o que você faria sem essa virginiana, né verdade? Há algo de louvável em sua precisão e exigências. Inegavelmente te faz alguém melhor. O jeito tímido e olhos convictos reservam uma inteligência encatadora impossivel de resistir, principalmente depois que ela esboça um sorriso e, de repente, parece que ela não é nada mais que nada.
  Mas para alguém que ama esta espécie e, principalmente, sente a mão dela em sua própria vida... ela é tudo.
  Sutilmente indispensável.
  Estou certo?


   Por Eduardo Aguiar (via Facebook) 


  

domingo, 29 de maio de 2011

ao passado

  "(...)
  O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto."

  Fernando Pessoa

sábado, 30 de abril de 2011

sossego

  ...E quando parece que um peso enorme está por vir, como uma onda gigante que temos a impressão de não suportar, é que uma felicidade enorme brota em meio às turbulências. Talvez toda essa carga, toda ansiedade e agitação seja a tal da felicidade plena. Talvez no sossego eu não me sentisse completa como agora. Talvez nessa agitação é que eu me sinta sossegada. Talvez seja só o entusiasmo da felicidade e mais nada. Inexplicável.
  Vontades é que não faltam, de preencher ainda mais essa felicidade, de mantê-la viva, de respirar um pouco mais desse ar fresco que agora passa...


S.C.P.S.

terça-feira, 26 de abril de 2011

...

  "Estou a um quase passo de admitir que a vida que levo é um pretexto para ofuscar a vida que não gostaria de ter. Vida como desculpa por existir. E o incrível é que eu não dou o passo. Fico tão imóvel que estar parada é o meu maior movimento. O mais violento. E não consigo sair exatamente daquele lugar onde todas as sensações ocorrem, justamente por estar tão grudada em mim e onde mais dói: na pele. "

Clarice Lispector

sábado, 23 de abril de 2011

A linha da vida

  A linha da vida lá está, na palma da mão. Esta a traz consigo o tempo todo, por todos os cantos onde estiver. Cada um que a toca, penetra naquela linha e, quanto mais intenso for o toque entre duas linhas que se cruzam, por mais tempo elas traçam-se juntas. 
    Tudo o que fazemos, falamos, sentimos, são resumidos de forma bem singela pelas mãos.
  Enquanto nos olhos tenta-se desvendar um mundo por trás de toda a superfície, nas mãos é expressa grande parte desse mundo. Se puder observá-la, é possível encontrar sempre vestígios de angústia, tristeza, pensamentos distantes, atenção, ansiedade, raiva... Se puder tocá-la, sente-se a intensidade e muitos desejos escondidos por entre os dedos e, por que não, é possível obter respostas, ainda que não seja dita uma palavra.
   Por meio das mãos viemos ao mundo e, por elas, muitas vidas são salvas. 
  É como se nas mãos existisse algo sagrado; como se todo o mistério que envolve o sentido da existência e a soma de tudo o que somos estivesse todo contido nelas, na junção entre a linha da vida - a ligação entre passado, presente e futuro - e as digitais - nossa identidade.  
  Mesmo que não queiramos dizer nada e por mais que façamos esforço para não demonstrar o que encontra-se por dentro, as mãos sempre exercem a contradição nesses momentos. Porém, quando nos aliamos a elas para expressar aquilo que está realmente pronto a ser expressado, a harmonia torna-se grandiosa, a ponto de tornar-se possível ouvir a voz profunda e sensível da alma. 
  Nessas horas, quando percebo, já estou com os dedos sobre o piano, ou com as mãos segurando a caneta sobre o papel.
  A linha da vida está nas mãos e, ao mesmo tempo, fora dela. 

S.C.P.S.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

detalhes

  Incrível como, às vezes, espera-se por coisas grandiosas que preencham algum espaço vazio, até que, de uma forma bem mais rápida, detalhes tão bobos, quase despercebidos, trazem uma felicidade tão consistente e capaz de permanecer por muito mais tempo. Já as coisas grandiosas, para as quais cria-se grandes expectativas, nem sempre correspondem a elas.
  A felicidade consistente permanece de acordo com a disposição de trazê-la sempre para junto de si, o que parece fácil, mas parece que o complicado tem uma força de atração muito maior...


S.C.P.S.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu ,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo.
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando.
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num paço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
0 seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena; Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
0 dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou á janela.

0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(0 Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.


    Álvaro de Campos

Definições

  Como é que tantos pontos de conflito e ainda obscuros se convergem com a clareza de idéias exatas e são capazes de formar uma essência, que em si é tão definida, enquanto as expressões, as idéias, o mundo e até a própria natureza são tão inconstantes? E, ao conjunto de tantas indefinições alguém ousar se definir?
 Esse processo de indefinir-se para dentro e definir-se para fora é mesmo complicado.
 Talvez o definido por si próprio se indefina e o indefinido assim seja definido.


S.C.P.S.

domingo, 10 de abril de 2011

"Pessoa(s)"

"Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)...
Sinto crenças que não tenho.
Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta
traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha,
nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos
que torcem para reflexões falsas
uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor,
eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente,
como se o meu ser participasse de todos os homens,
incompletamente de cada (?),
por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço."



"Sê plural como o universo!"


Fernando Pessoa

sábado, 26 de março de 2011

...



"A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre."

sábado, 12 de março de 2011

Torch

"(...)
These are the things that I miss
These are not times for the weak of heart
These are the days of raw despondence..."

quinta-feira, 10 de março de 2011

verdade

  Não há motivos para se preocupar com absolutamente tudo o que é falado ao nosso redor ou a nós mesmos.  
  Na realidade, muitas mentiras são ditas e poucas verdades são reveladas.
  Mas, para nos proteger, guardamos nossas verdades mais valiosas para que não perca seu valor diante de tantas verdades ocultas e só as revelamos quando temos a certeza de que será tão bem guardada como em nós mesmos.
  Precisamos mesmo é prestar atenção aos sinais, às expressões e às ações, pois qualquer detalhe é capaz de revelar algo não perceptível em palavras e, mesmo em meio a apenas palavras, devemos decifrar as entrelinhas. 
  Nas entrelinhas ainda poderá haver uma verdade que, por uma fração de segundos, podemos deixar passar despercebida. Ao mesmo tempo, para os outros, ela poderá ir apenas até onde quisermos revelar.
   Entretanto, a verdade poderá ser sempre a simples verdade vista com nossos olhos, sejam cegos, míopes ou capazes de ver coisas invisíveis. Depende somente da distância que temos capacidade de ver por dentro.
    


S.C.P.S.

terça-feira, 8 de março de 2011

...

Dizem que a primeira e a última carta de amor são sempre as mais difíceis de escrever...

sábado, 5 de março de 2011

Mar





  Ninguém sabe exatamente como nasceu o mar, como se tornara grande e volumoso, nem por que é tão profundo, por que é salgado, ou se um dia deixara de ser doce ou puro. Mas quem seria o autor de tão numerosas lágrimas?
  Às vezes agitado, outras vezes calmo. O mesmo mar completa cenários tristes e alegres de quem o vê. Tem seu próprio ritmo, suas fases e seus segredos. Por mais que alguém tenha coragem de avançá-lo, nunca chegará ao seu interior por seus próprios pés, embora a força de atração seja muito grande. Olhando de longe, não temos noção de sua profundeza e sequer somos capazes de imaginar o que nela se encontra. Para isso, é essencial existir tamanha profundidade em nós mesmos.
  Quem se arrisca a conhecê-lo, guardará apenas para si. Talvez, para estes, o mar seja ainda mais belo e intenso. Porém, muitos dos que conseguem esses feitos, não voltam, ficando em seus lugares a saudade. Mais lágrimas são deixadas em sua margem, até as ondas levarem ao fundo.
  Por isso, muitos preferem apenas admirá-lo, sonhando com as belezas do universo que o mar contenha. Mas estes eu digo que não são felizes.
  Felizes são os que arriscaram-se a chegar em suas profundezas, pois só eles guardam a provável experiência mais bela da vida.
   Porém, mais tristes ainda são os que nunca viram o mar.

S.C.P.S.