terça-feira, 21 de abril de 2009

Carta



  Sinto grande pesar pelas tantas dúvidas a seu respeito. Porém, elas são necessárias, do contrário, congelaria o pouco que ainda vive neste alguém que tantas vezes desconheço. Conheço, sim, por fora, cada expressão, além de minha própria sombra. Por dentro não vejo, sinto. Contudo, o que sinto é infinito. Não existe espelho para identificar o que há no mundo interior. Aliás, não se pode ver com um simples desejo. Aos poucos, o que ali existe se manifesta. Mas não é tudo. Talvez nunca seja inteiramente conhecido.
  O que conhecia, até então(e que imaginava ser tudo o que ali havia), pertencia à superfície. A profundidade que agora percebo é ainda muito pequena, mas infinitamente maior que aquela vista há algum tempo. Não me arrisco mais a medi-la.
Você está lá, tão intenso e presente quanto antes. Às vezes em silêncio, às vezes gritando, ou simplesmente me fazendo pulsar.
  Todos esperam muito por você, o maior, o eterno, o sublime, o puro, o verdadeiro, o que ilude, o que enlouquece(ouvi tantos falarem isso!). Talvez, então, deva confiar em sua adversária, a razão, que, ao menos, me põe os pés no chão, já que muitos nada tiveram em troca de suas aflições. Não quero ser mais um. Arriscar-me-ia por você, então?
  (...)
  Pois então arrisco-me. Atiraria-me ao fogo, quantas vezes fosse preciso, para sentir que, por dentro, algo tão grandioso está vivo e me mantém vivo. Cada vez que rendo-me desta forma, dou passos mais largos rumo ao misterioso universo de minha essência, ao mesmo tempo em que levo o que existe de mais surpreendente à superfície, a fim de que não o guarde apenas comigo.
  O que tenho, no fundo, são esperanças pouco manifestas, mas sem estas virtudes tão persistentes que nele moram, meu infinito seria apenas um universo escuro e vazio e eu, um mundo incompleto, superficial e desconhecido.

S.C.P.S.

sábado, 18 de abril de 2009

ensaio

Comptine d'un autre été l'après midi- Yann Tiersen



Ainda não toco lá essas coisas, é apenas o ensaio de um trecho da música da trilha de O fabuloso destino de Amélie Poulain, para passar o tempo... ^^

;]

sexta-feira, 3 de abril de 2009

sonho


"É um bom ponto de vista
Ver o mundo como um sonho

Quando você tiver algo como um pesadelo
Vai acordar e dizer que foi apenas um sonho..."

[...]

domingo, 29 de março de 2009

Um dia para não ser esquecido

  Aquela esquina da rua Iraí foi sempre muito movimentada. No fim de tarde do dia 20, eu andava pela calçada junto aos outros, que iam e vinham com passos pouco mais apressados e ares receosos, algumas olhando para o chão, outras para o infinito. 

  E lá, sentada, estava aquela mulher pouco notada. Quando a observavam, era sempre como se sua presença fosse alguma ameaça, ou como se ninguém estivesse ali, pois logo em seguida viravam o rosto e seguiam em frente. Ela parecia não se incomodar. Apenas retribuia os olhares, mas não os encarava com agressividade, não roubava nem xingava. Era calada. Tinha a expressão triste e não demonstrava revolta. Devia ter quase sessenta anos, apresentava rugas, cabelho grisalho, pele morena, roupas sujas, rasgadas e aparentava ter alguma doença mental. Algumas vezes eu a vi se levantar, caminhar até o cesto de lixo e começar a revirá-lo, provavelmente em busca de comida ou algo que a interessasse. Quando uma criança passava, seu rosto se transformava e ela sorria.
  No instante em que eu a olhava quando andava por ali, um carro estacionou ao meu lado e vieram dois homens e uma mulher em sua direção. Eram do Programa de População de Rua da prefeitura. Aproximaram-se dela e tentaram convencê-la de que teriam que levá-la. Fiquei parada mais adiante e a vi entrar em pânico. Não agrediu as pessoas da equipe, entretanto dizia em voz alta que não podiam levá-la de seu lar. Chorava muito, repetindo que morava ali. Quando tocaram seus braços, gritou que fugiria e voltaria para aquela esquina de qualquer jeito. 
  Formou-se um círculo de curiosos em sua volta, assustados com aquela triste cena. Todos olhavam-na com muita pena, até que os três decidiram não encaminhá-la, porém disseram-lhe que retornariam. Em seguida partiram e cada um tornou a seguir seu caminho. Ela sentou-se no chão e voltou os olhos para baixo.
 Continuei andando e relembrando os acontecimentos. Era difícil compreender os motivos pelos quais ela queria continuar vivendo na rua e ainda chamar aquilo de lar. Se deixasse que a socorressem, teria uma casa de verdade, cama, roupas novas e comida, uma vida mais digna, como todos têm direito. De qualquer forma, eu tinha esperanças de não vê-la mais morando ali. 
  Duas semanas depois, no mesmo horário, me surpreendi com uma moça que conversava calmamente com a senhora e estava abaixada, bem próxima a ela. Não pude ouvir as perguntas e respostas, mas ambas estavam muito tranquilas e a moça sorria. Foi uma cena incomum. Enquanto seguia, vi pessoas observando, também surpresas. Uma mulher comentava com a amiga que a moça "devia ser outra maluca".
  Na semana seguinte, quando havia acabado de virar a esquina, ouvi estacionar um carro. Pude perceber a voz da senhora, que não parecia indignada. Para meu espanto, pela primeira vez ouvi risos. Me virei imediatamente e encontrei a moça junto aos dois rapazes e à mulher, que vieram nas semanas anteriores, diante da senhora com uma boneca nos braços, como uma criança recebendo um presente que esperava há muito tempo. Ela chamava a boneca de filha. Seu rosto havia se transformado e ela sorria. Abraçou-a com força, caminhou até o carro e partiu. Todos em volta estavam admirados.

S.C.P.S.

quarta-feira, 25 de março de 2009

[...]

Nada que existe escapa à transfiguração, não saberei que existi daqui a poucos anos.
Fez-se muitas perguntas mas nunca pode responder:
parava para sentir.
A tragédia moderna é a procura vã de adaptação do homem
ao estado de coisas que ele criou.
eu me sinto tão dentro do mundo que me parece não estar pensando,
mas usando de uma nova modalidade de respirar
não é o grau que separa a inteligência do gênio, mas a qualidade.

Medo de não amar, maior que o medo de não ser amado.

Que façam harpas de meus nervos quando eu morrer. ... a vida sempre nos deixa intocados. conto apenas o que vi, não o que vejo (não sei repetir)
Lalande - lágrimas de anjo. É o mar, que nenhum olhar ainda viu.
a beleza das palavras, natureza abstrata de Deus

Se amar um marinheiro terei amado o mundo inteiro.

essa tristeza leve é a constatação de viver
Meu filho crescerá de minha força e me esmagará com sua vida
posso parir um filho e nada sei
compreende a vida porque não é suficientemente inteligente para não compreendê-la -
Bom é viver.
Mau é... Mau é não viver... - Morrer? - Não, não. Mau é não viver...
morrer é diferente do bom e do mal
É curioso como não sei dizer quem sou.
Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer.
Sobretudo tenho medo de dizer,
porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto,
como o que sinto se transforma lentamente no que digo.

Clarice Lispector-Fragmentos diversos perdidos em minha agenda