Aquela esquina da rua Iraí foi sempre muito movimentada. No fim de tarde do dia 20, eu andava pela calçada junto aos outros, que iam e vinham com passos pouco mais apressados e ares receosos, algumas olhando para o chão, outras para o infinito.
E lá, sentada, estava aquela mulher pouco notada. Quando a observavam, era sempre como se sua presença fosse alguma ameaça, ou como se ninguém estivesse ali, pois logo em seguida viravam o rosto e seguiam em frente. Ela parecia não se incomodar. Apenas retribuia os olhares, mas não os encarava com agressividade, não roubava nem xingava. Era calada. Tinha a expressão triste e não demonstrava revolta. Devia ter quase sessenta anos, apresentava rugas, cabelho grisalho, pele morena, roupas sujas, rasgadas e aparentava ter alguma doença mental. Algumas vezes eu a vi se levantar, caminhar até o cesto de lixo e começar a revirá-lo, provavelmente em busca de comida ou algo que a interessasse. Quando uma criança passava, seu rosto se transformava e ela sorria.
No instante em que eu a olhava quando andava por ali, um carro estacionou ao meu lado e vieram dois homens e uma mulher em sua direção. Eram do Programa de População de Rua da prefeitura. Aproximaram-se dela e tentaram convencê-la de que teriam que levá-la. Fiquei parada mais adiante e a vi entrar em pânico. Não agrediu as pessoas da equipe, entretanto dizia em voz alta que não podiam levá-la de seu lar. Chorava muito, repetindo que morava ali. Quando tocaram seus braços, gritou que fugiria e voltaria para aquela esquina de qualquer jeito.
Formou-se um círculo de curiosos em sua volta, assustados com aquela triste cena. Todos olhavam-na com muita pena, até que os três decidiram não encaminhá-la, porém disseram-lhe que retornariam. Em seguida partiram e cada um tornou a seguir seu caminho. Ela sentou-se no chão e voltou os olhos para baixo.
Continuei andando e relembrando os acontecimentos. Era difícil compreender os motivos pelos quais ela queria continuar vivendo na rua e ainda chamar aquilo de lar. Se deixasse que a socorressem, teria uma casa de verdade, cama, roupas novas e comida, uma vida mais digna, como todos têm direito. De qualquer forma, eu tinha esperanças de não vê-la mais morando ali.
Duas semanas depois, no mesmo horário, me surpreendi com uma moça que conversava calmamente com a senhora e estava abaixada, bem próxima a ela. Não pude ouvir as perguntas e respostas, mas ambas estavam muito tranquilas e a moça sorria. Foi uma cena incomum. Enquanto seguia, vi pessoas observando, também surpresas. Uma mulher comentava com a amiga que a moça "devia ser outra maluca".
Na semana seguinte, quando havia acabado de virar a esquina, ouvi estacionar um carro. Pude perceber a voz da senhora, que não parecia indignada. Para meu espanto, pela primeira vez ouvi risos. Me virei imediatamente e encontrei a moça junto aos dois rapazes e à mulher, que vieram nas semanas anteriores, diante da senhora com uma boneca nos braços, como uma criança recebendo um presente que esperava há muito tempo. Ela chamava a boneca de filha. Seu rosto havia se transformado e ela sorria. Abraçou-a com força, caminhou até o carro e partiu. Todos em volta estavam admirados.
S.C.P.S.